A questão sobre a possibilidade de descontar da caução (depósito) da locação para realização da pintura na devolução do imóvel alugado é um tema recorrente e de interesse tanto para locadores quanto para inquilinos.
A pintura do imóvel é um dos aspectos importantes na devolução de uma locação, pois está relacionada à manutenção e conservação do imóvel. No entanto, a utilização da caução para cobrir os custos da pintura pode gerar dúvidas e debates sobre os direitos e deveres das partes envolvidas.
Neste contexto, é fundamental compreender as cláusulas contratuais, as legislações pertinentes e as orientações jurídicas. E para nos ajudar a esclarecer as principais dúvidas sobre esse assunto, neste bate-papo, Marcel de Toledo que já atuou como advogado no ramo imobiliário, já foi corretor, teve imobiliária e hoje é diretor de marketing digital do Grupo SP Imóvel ajuda a esclarecer as principais dúvidas sobre a possibilidade de descontar da caução (depósito) da locação para realização da pintura na devolução do imóvel alugado.
Segundo o especialista, depende. Se a locação apresentar uma vistoria bem feita de entrada e saída e no contrato constar que o valor da caução pode ser destinado para esse fim, entende-se que pode sim ser descontado, mas deve ser extremamente documentado.
“Verificamos diversos julgados dizendo o inverso, sendo que a maioria, não apresentava provas convincentes, ou seja, uma vistoria de entrada, uma vistoria de saída, tentativa de negociação com o inquilino. O que mais ouvimos relatos são locadores (proprietários) ou administradoras, retendo o valor sem uma demonstração clara do dano, do custo da reforma.”
É possível observar que muitos locadores (proprietários) e até mesmo alguns administradores criam regras que nem sempre são legais. Vamos aos exemplos:
Exemplo 1 – O imóvel foi alugado diretamente com contrato simples, sem vistoria adequada, ou seja, no contrato constavam cláusulas genéricas ou gerais do estado do imóvel (ex: o imóvel encontra-se pintado e em perfeitas condições sem nenhum defeito). Após o fim do contrato, o locador (proprietário) retém a caução para realizações de pintura, sem orçamento e consentimento do inquilino.
Segundo Marcel, nesse caso, devido à falta de documentação de comprovação, o inquilino pode ingressar no juizado especial onde não precisa de advogado e com facilidade o locador (proprietário) será condenado a devolver a caução com juros, correção monetária e ainda podendo arcar com outros prejuízos materiais que o inquilino acumulou (ex: inquilino fez empréstimo para realizar outra caução).
Exemplo 2 – A imobiliária aluga o imóvel e no contrato constar cláusula obrigando o inquilino a realizar pintura. Não houve vistoria adequada de entrada e saída. E sem nenhuma justificativa documental fez a retenção da caução.
“Novamente o inquilino poderá ingressar no juizado especial e a probabilidade de devolução da caução para o inquilino é muito grande. Porém, em todos os dois exemplos, caso possua vistoria de entrada e saída, provando os danos de forma anormal (art 23, III, Lei 8.245), notas fiscais dos serviços prestados e cláusula que permita a retenção dessa caução, aí nesse caso, dificilmente o inquilino consiga na justiça a devolução da caução, pois houve um procedimento correto que provou o prejuízo e a aceitação quando da assinatura do contrato.”
De acordo com Toledo, se constar no contrato que a caução pode reparar tudo que envolva o uso anormal do imóvel, tudo com base no artigo 23, III da Lei 8.245. “Porém, devemos lembrar que existe uma discussão bastante acirrada quando o locador (proprietário) aluga o imóvel com itens com baixa qualidade. Exemplo, armários de baixa qualidade, acessórios de baixa qualidade, piso e assim por diante, pois se o inquilino usou de forma normal esses itens de baixa qualidade, fica complicado exigir a troca, justamente por ser de baixa qualidade.”
Dicas para o inquilino: Se houve vistoria acusando que a pintura era nova, entendemos que o inquilino tem que devolver nas mesmas condições. Assim, faça o orçamento com um profissional da sua confiança e comece a negociar com os mesmos valores. Se tratando de pintura externa, avalie se a culpa do desgaste foi do inquilino ou do vento, chuva e sol. Nesse ponto o inquilino pode debater com base no fim do artigo 23, III da Lei 8.245 que diz:
Art. 23. O locatário é obrigado a:
III - restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;
Dicas para o locador (proprietário): Documente tudo e siga orientação de bons profissionais que dificilmente o inquilino ingressará com uma ação para receber a caução de volta, pois dentro do subconsciente ele sabe que está errado em receber um imóvel pintado e devolver com desgastes anormais da pintura.
Segundo Toledo, o contrato pode obrigar o inquilino a devolver pintado, porém o que realmente vale é o que constar na vistoria. Se o imóvel não foi entregue pintado ao inquilino, exigir pintura pode virar uma disputa e possivelmente a cláusula que obriga pode ser anulada com base no artigo 45 da Lei 8.245.
“No meu entendimento e de muitos juristas, o que vale é a vistoria. Se o imóvel está sendo entregue pintado, o inquilino tem que devolver nas mesmas condições. O uso normal não se encaixa com marcas de mãos na parede, riscos comuns no uso do imóvel. Nós só descobriremos se a pintura está boa ou não depois de retirar os móveis para ter uma “leitura” do imóvel”, explica Marcel.
De acordo com o especialista, esse assunto é uma discussão jurídica muito grande. A pintura externa é a mais comum de explicar, pois a ação do vento, chuva, sol se trata de uso normal e isso não pode ser exigido pintura com base no artigo 23, III da Lei 8.245. Logo, caso o inquilino não tenha avisado no decorrer da locação algum problema mais significativo, como por exemplo, uma infiltração externa, o locador (proprietário) poderá sim exigir que o inquilino faça a reparação daquele dano com base no artigo 23, IV da Lei 8.245.
“O ideal é ambas as partes aceitarem a reparação. Mas caso isso não ocorra, o ideal é que tenha uma boa vistoria de entrada e saída, comprovando que o imóvel não foi devolvido nas mesmas condições da entrega. Fazer 3 orçamentos com empresas que possuam CNPJ e execute com uma dessas empresas para garantia futura, pois não tendo essa comprovação, o locador (proprietário) poderá ser condenado em uma eventual ação que o inquilino ingresse para receber a caução”, orienta Marcel de Toledo.
Basicamente, é o contrato que pode prever que a caução possa ser utilizada para esse fim. Que faça uma boa vistoria de entrada e saída. Que faça orçamentos com empresas com CNPJ. Que o trabalho executado tenha nota fiscal e de preferência um laudo desse profissional que executou a pintura. Desta forma o locador (proprietário) estará calçado e o inquilino vai perder o argumento.
O sócio-diretor explica que nem sempre o valor da caução será suficiente para cobrir os custos estimados para realizar a pintura. “Se não houver acordo, possivelmente a pintura vai ter que ser executada por empresa com nota fiscal e o valor ficará ainda mais alto.”
“Em tese sim, mas tome cuidado, o barato pode ser mais caro, pois as administradoras geralmente indicam profissionais qualificados e de menor custo. Não invente de pintar o imóvel por conta própria, principalmente com material de baixa qualidade”, recomenda Toledo.
Segundo o especialista, caso o inquilino não concorde com o desconto da caução para a realização da pintura do imóvel, procure uma empresa com CNPJ para avaliar ou um advogado para ajudar na negociação.